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segunda-feira, setembro 14, 2009

No vácuo de um polêmico acordo diplomático entre o Brasil e o Vaticano







NO VATICANO


O presidente Lula e o papa Bento XVI em novembro de 2008, quando firmaram o acordo sobre a presença da Igreja Católica no Brasil

Na pressa, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada dois textos extremamente controversos sobre as relações entre religião e Estado. Foi uma demonstração preocupante de como os deputados lidam com temas delicados, que dizem respeito aos interesses de todos os brasileiros. O primeiro foi um acordo entre o Brasil e o Vaticano sobre vários aspectos da presença da Igreja Católica no país.

O segundo foi uma lei geral para todas as religiões, como forma de compensar a aprovação do acordo com os católicos.

A história da aprovação dos dois textos começou em 2008, quando diplomatas brasileiros e representantes do Vaticano passaram a discutir um acordo diplomático com o objetivo declarado de “regulamentar a relação entre o governo brasileiro e a Igreja Católica”. Entre outros pontos, o documento acertado entre as partes reafirma a isenção fiscal das instituições eclesiásticas, estabelece parâmetros para o ensino religioso em escolas públicas, responsabiliza o Estado pela conservação do patrimônio cultural católico e garante a isenção da Igreja no cumprimento de obrigações trabalhistas com padres, diáconos e voluntários.

Os termos gerais desse acordo foram firmados em novembro de 2008 pelo papa Bento XVI e pelo presidente Lula, durante uma visita de Lula ao Vaticano. Para que entre em vigor, seus termos precisam ser aprovados pela Câmara e pelo Senado. Os defensores do acordo dizem que os 20 itens do documento oficializam práticas e costumes comuns da sociedade brasileira, muitos já presentes na legislação.

Dizem ainda que o Vaticano já tem acordos desse tipo com outros 70 países e que o texto não representa uma ameaça de interferência da Igreja Católica no funcionamento do Estado.

Enquanto o Brasil e o Vaticano negociavam, diversas personalidades e entidades, inclusive algumas ligadas à Igreja Católica, manifestaram seu desacordo.

Magistrados alegavam que se tratava de um atentado contra o princípio do estado laico, que garante a separação entre Estado e religião. Tributaristas afirmavam que o texto poderia abrir precedentes perigosos, como a aplicação dos benefícios fiscais para gráficas, rádios e escolas com tênues ligações religiosas.

Evangélicos e representantes de outras religiões diziam que o Brasil estaria privilegiando a Igreja Católica em detrimento de outras denominações.

O item mais preocupante é o que trata do ensino religioso. O texto diz que “o ensino religioso católico e de outras confissões religiosas” passa a ser disciplina facultativa, de horários normais, na escola pública. É uma visão que contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1996 com a intenção de proibir a promoção de religiões nas salas de aula.

Como a Igreja Católica é a única que dispõe de recursos e de mão de obra suficientes para atender a essa demanda em todo o país, ela também ficará em vantagem para recrutar fiéis.

Apavorados com a iminente aprovação do acordo Brasil-Vaticano pela Câmara, evangélicos, budistas, umbandistas e até ateus se juntaram e pressionaram os deputados pela aprovação de uma lei geral para todas as religiões. Foi o que aconteceu. Com a concordância de quase todos os partidos, a Câmara aprovou em votação simbólica os dois textos: o polêmico acordo com o Vaticano, costurado diplomaticamente durante mais de um ano e, ainda assim, cheio de pontos polêmicos, e a Lei Geral das Religiões, votada subitamente por pressão de grupos que se diziam discriminados.

De acordo com o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos poucos que se opuseram aos dois textos, o resultado será desastroso. Ao jornal Folha de S.Paulo, Alencar definiu assim a aprovação da Lei Geral das Religiões: “É o liberou geral. Agora, quem inventar uma instituição religiosa terá sua organização obrigatoriamente reconhecida pelo Estado no simples ato de criação, independentemente de lastro histórico e cultural, doutrina, corpo de crença. É o supermercado da fé. Suas atividades gozarão de todas as isenções, imunidades e benefícios possíveis e imagináveis”.
O principal defensor da Lei Geral das Religiões foi George Hilton (PP-MG), da bancada evangélica. Ele defendeu a lei como forma de manter o Estado longe das igrejas: “Era a única forma de nos aproximarmos novamente do estado laico, sem nenhuma vantagem para nenhuma religião”, disse.
O tema segue agora para o Senado. Antes de votar os dois textos, os senadores poderiam prestar um pouco mais de atenção à opinião dos eleitores. Uma pesquisa recente do Ibope encomendada pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir mostrou que a maioria dos entrevistados rejeita qualquer acordo desse tipo. Para 46%, “o governo brasileiro não deve fazer acordo com nenhuma religião, pois não existe uma religião oficial do país”. Simples assim.

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