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sexta-feira, abril 10, 2009

Miséria em Poço Redondo ultrapassa limites






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Publicada: 10/04/2009

Texto: Andréa Moura/Fotos: Jorge Henrique
Jornal da Cidade

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Quando Euclides da Cunha escreveu “Os Sertões”, cuja primeira edição fora publicada em 1902, talvez não imaginasse que sua frase seria, a cada ano, mais atual. E é justamente por conta dessa força que o sertanejo consegue, mesmo carregando fortes mazelas sociais, fazer piada da própria situação. “Estou há 42 anos em Poço Redondo porque não há melhor lugar que este. Onde é que alguém consegue viver sem comer, sem beber água e sem trabalhar? Só em Poço!”, disse o agricultor aposentado, Jaime Pereira da Silva, 73 anos de idade, ao comentar sobre sua vida em Poço Redondo, município distante 184 quilômetros da capital sergipana.

Jaime, apesar de sobreviver com um salário mínimo que recebe como benefício da Previdência Social, pode ser classificado como um dos que possuem boa situação no local, título só dado a quem é funcionário da prefeitura, do Estado, aposentado ou pensionista. A situação de miséria de Poço Redondo já ultrapassou todos os limites da urgência e emergência imagináveis, e o quadro só tende a se agravar. A cada mês, o município tem a receita diminuída. De acordo com frei Enoque Salvador de Melo, prefeito da cidade, o Fundo de Participação de Municípios (FPM) em março, foi de R$ 542 mil, praticamente a metade do que recebera em dezembro de 2008, e ao que tudo indica, 10% maior que o previsto para o mês de abril.

O Fundeb já foi reduzido em R$ 400 mil somente este ano, e como se não bastasse, a prefeitura teve de devolver recentemente ao governo federal R$ 32 mil, dinheiro que entrou na conta da Secretaria da Ação Social, na gestão anterior, e não fora utilizado.

“Ainda estamos inadimplentes junto ao Governo Federal, por termos recebido e não utilizado quase R$ 12 mil, dinheiro fruto de um convênio feito no ano passado por uma ONG e o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome, para comprar galinhas caipiras. O projeto era montar uma unidade produtiva num povoado aqui perto. Só que dessas galinhas, eu não vi sequer uma pena, embora esteja com esse problemão para contornar. Só tenho problemas! Diariamente tenho gente que, passa fome, aqui no meu gabinete pedindo comida”, desabafou Frei Enoque.

As reclamações do prefeito - que ao contrário do que diz seu nome não pode ser o salvador de Poço Redondo -, são extensas. Disse que, com o pouco recurso que recebe, tem ainda de dar comida para os policiais militares e gasolina para as viaturas; classifica como ineficaz o processo de reforma agrária que dá a terra, mas não as condições para desenvolver o plantio, e aproveitou para cobrar as promessas feitas pelo governador do Estado há aproximadamente oito dias, e que segundo ele, até agora não foram postas em prática. “Até o caixão somos nós quem damos. Na verdade precisamos é de um milagre!”, disparou o frei.

Outra tristeza para quem reside no local é ver os jovens indo embora em busca de alguma condição de sobrevivência. Desde que a seca se agravou é comum grupos deixarem Poço Redondo e irem tentar a vida em locais como Tocantins, Mato Grosso, Goiás, Maranhão e Rio Grande do Sul. A tendência, de acordo com Frei Enoque, é que Poço Redondo se transforme em pouco tempo num local apenas de velhos, crianças e mulheres. “Meu filho, de 27 anos de idade, foi no início dessa semana para Petrolândia/PE. Aqui não tinha emprego e decidiu ir tentar a sorte como motorista de uma empresa de construção por lá. Deixou a esposa e o filho aqui. Como ele, já foram muitos outros. Infelizmente essa é a vida que temos, sofrida por demais”, lamentou uma dona de casa que preferiu não se identificar.

Desnutridos pela seca e falta de comida lotam a unidade de saúde

O sol forte, a falta de água potável e comida têm causado desnutrição em muita gente, e consequentemente, lotado a única unidade de saúde existente, a Dona Zulmira Soares, como informou o diretor da instituição, o técnico em enfermagem Michel Feitosa Santos. Pelas contas do administrador, uma média de 70 pessoas é atendida por dia e destas, 80% por conta de subnutrição. “Recebemos não só os habitantes do município, mas também gente que vem dos povoados Matuto e Lagoa Redonda, que ficam em Porto da Folha. Os casos graves estão sendo encaminhados para o hospital regional de Glória e para o João Alves Filho”, comentou.

Quanto mais distante da sede municipal, mais os problemas se agravam. A terra extremamente seca e rachada são os primeiros sinais de que há muito tempo não chove na região. Riachos e açudes se transformaram em passagens seguras. Outro cenário comum é ver carcaças de bois ou animais que morreram recentemente por conta da fome e da sede. Os únicos bichos que ainda conseguem, por conta disso, algum alimento, são os urubus, existentes em grande quantidade.

Os bois que ainda não morreram estão muito magros e disputam entre si, ou com os cavalos, o que seria para eles uma sombra, oferecida pelos galhos das árvores também secas. Quem tinha um número maior de bezerros teve que se desfazer de uma boa parte para conseguir comprar palma, única planta que ainda pode ser cultivada. Este foi o caso de Miguel Alves do Amaral, residente no povoado Barra da Onça, que vendeu dez bezerros, a preço muito inferior, para adquirir uma “carrada” de palma, que custou R$ 1.500. “Só temos essa alternativa. O que comprei hoje só vai dar para uns 10 dias. O pior é que já fui avisado que a próxima carrada vai custar R$ 2 mil, ultimamente estamos vivendo basicamente com os R$ 122 do Bolsa Família”, bradou.

Nem mesmo as galinhas estão resistindo, acabam morrendo e não podem sequer serem aproveitadas para saciar a fome do sertanejo. “Ô minha filha, tenho fé em Deus que ainda vai chover por aqui, porque só ele para nos ajudar, para nos livrar de tanto sofrimento. Ultimamente só temos feijão para comer, sem nenhum tipo de mistura e mesmo assim, porque ainda recebo um salário mínimo como aposentadoria. Este ano, ainda não plantei nem milho nem feijão, tinha umas 30 galinhas, e por conta da seca umas 20 morreram. Só me resta esperar!”, declarou o agricultor José Alves Cardoso, que diariamente olha o céu pela janela da casa, na esperança de ver a chuva cair.

A pequena casa de taipa de José Alves está localizada no povoado Inferninho. Foi construída há 15 anos e está dividida em quatro compartimentos. Não há banheiro ou mesmo pia para lavar os pratos. A pouca comida é feita em fogão a lenha. Os únicos móveis existentes são duas camas - para oito pessoas; um pequeno armário e uma mesa velha. Para manter a família o agricultor só conta com R$ 382 por mês, pois R$ 83 são descontados pelo banco, por conta de um empréstimo no valor de R$ 1.760 realizado este ano. “Peguei para pagar dívidas e comprar comida enquanto não começo a plantar”, explicou.

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